janeiro 15, 2015

boas leituras (ou leve três e pague um)


o boas leituras são comentários de comentários. brevíssimas notas de livros dos quais me sinto incapaz de escrever mais do que dois pequenos parágrafos. a cada postagem, notas de três boas leituras.

pedro páramo, de juan rulfo

a primeira leitura de dois mil e quinze foi difícil. e muito. pedro páramo é um livrinho de cento e trinta e poucas páginas, mas sua leitura é custosa como a de um calhamaço de oitocentas e tantas. mas nada, absolutamente nada disso quer dizer que este seja um livro ruim. é justamente o contrário. o clássico mexicano de juan rulfo resgata a atmosfera e os espaços da américa latina, especificamente o méxico, para construir o realismo mágico do qual tantos já beberam – garcía márquez, vargas llosa, cortázar.   

pedro páramo é um livro de muitas vozes. a narrativa é construída sob a profusão de vozes ora mortas, ora vivas. na saga de juan preciado em busca de informações sobre o pai que nunca conheceu, o personagem principal cruza com figuras que fazem até o leitor duvidar se realmente são pessoas de carne e osso. é a história das histórias de um méxico antigo. todo mundo quer voz, até as almas que ainda não conseguiram o descanso eterno. e é preciso que se dê atenção a todos!

o romance único de rulfo não é um livro de uma única leitura. seus grandes e inúmeros parênteses exigem outras atentas revisitas.

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VIM A COMALA porque me disseram que aqui vivia meu pai, um tal de Pedro Páramo.
Minha mãe me disse. E eu prometi que viria vê-lo assim que ela morresse. Apertei suas mãos em sinal de que faria isso; pois ela estava morrendo, e eu decidido a prometer tudo. “Não deixe de ir visitá-lo”, recomendou ela. “O nome dele é assim e assado. Tenho certeza que ele vai gostar de conhecer você.” Então não tive outro jeito a não ser dizer a ela que faria isso, e de tanto dizer continuei dizendo mesmo depois que minhas mãos tiveram trabalho para se safarem de suas mãos mortas.
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pedro páramo
juan rulfo
editora bestbolso
dois mil e oito
 (“a morte não se reparte como se fosse um bem. ninguém anda à procura de tristezas”)

a palavra nunca, de eric nepomuceno

expectativa é sempre um negócio perigosíssimo, principalmente em leituras. e talvez a maioria das minhas decepções com livros seja justamente por causa deste ridículo fator. das três desta postagem, duas se justificam pelo ‘excesso de expectativa criada’. e esta é uma. não pela obra em si, mas pelo nome que ela carrega.

eric nepomuceno é conhecido por suas traduções para o português de escritores como garcía máquez, cortázar, galeano, onetti, e do próprio juan rulfo. mas foi justamente o pedro páramo que me levou a ele e, consequentemente, ao seu palavra nunca. e muitas outras leituras ficaram para trás por causa desse livrinho de contos de meados de mil novecentos e oitenta e cinco. e o resultado, vocês, caros visitantes, já sabem.

palavra nunca não é de todo ruim. existem aqueles poucos ótimos contos, e existem também aqueles que não fazem sentido algum – que, neste caso, é a maioria. ‘telefunken’, o conto de abertura, é um exemplo da primeira categoria. assim como em grande parte, nele tudo acontece muito rápido, a narrativa é construída de forma a deixar o leitor embasbacado. n’outros, a impressão que eu tenho é de que ele tentou ‘fazer diferente’, mas deu tudo errado e só dá pra sentir vergonha alheia.

até aqui, parece que eu realmente estou sendo violenta com o livro. mas não. meu ódio é por aquela expectativa de lá do início mesmo, lembram? nepomuceno enquanto escritor é um exímio tradutor.

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Pelo buraco redondo coberto com o pano amarelinho que fica bem no meio da caixa de madeira com o nome Telefunken escrito em letrinhas brancas, sai a voz de uma mulher brava. Tem de ser brava porque tem a voz fininha. A mãe tem voz fininha e vive brava.
Essa gente que canta no rádio não muda de assunto. É sempre essa coisa de amor para cá, amor para lá, e não falam em outra coisa. E falam cantando, claro, porque são cantores e tudo, e tem uma porção de gente diferente. É fácil perceber isso porque as vozes são diferentes e porque eles cantam em uma porção de línguas.
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a palavra nunca
eric nepomuceno
editora da ufscar
mil novecentos e noventa e sete
 (você se casa, compra um rádio, sua mulher pega filho e você morre dois meses depois)

maus, de art spiegelman

pra início de conversa, eu nem deveria estar escrevendo este comentário, mas nos quatro cantos deste blog, esta, que vos escreve, enfatiza que tudo o que aqui escreve são anotações, comentários e que, principalmente, imparcialidade nesta casa não habita. portanto, que eu escreva sobre as minhas peripécias enquanto recente leitora que faz muita besteira por causa daquela coisa chamada expectativa.

pois bem, maus também foi uma compra/leitura desesperada depois de muito ouvir sobre essa hq “esplêndida!”, “incrível! me fez chorar muito”, “fiquei boquiaberto! até me senti mal com aquele horror todo!”, e mais uma porção de longas e breves interjeições como estas. a leitura me custou uns bons dois meses: li metade em quase um dia, e a outra metade semanas e semanas depois. e tudo porque eu jurava que, se o livro não me parecia aquele esplendor todo, era porque eu não estava numa boa fase. então o retomei dois meses depois. mas nada.

o fato é que maus é uma fonte interessantíssima de informações sobre a segunda guerra mundial, o holocausto,  etc, e exemplo de construção incrível de narrativa em metaficção. nothing else. mas a questão aqui é que os desenhos e a forma de narrar todo o horror do holocausto não foram suficientes para me fazer enxergar maus como mais do que um livrinho de história mundial ilustrado sob o olhar de quem viu de perto a europa dos anos trinta e quarenta. se foi insensibilidade da minha parte, a gente não sabe, mas que eu devo ter algum sério problema, disso eu tenho certeza.

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maus
art spiegelman
quadrinhos na cia.
dois mil e cinco
 (“me deixa dormir, richieu!”)

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palavreia, vai