janeiro 01, 2015

o que eu chamo de amor


in the lonely hour foi a coisa mais brilhantemente triste de dois mil e catorze. e sam smith a mais sincera. o sam smith personagem, eu digo. não o sam smith que atingiu os picos de importantes charts por sabe-se lá quantas semanas, ou aquele que liderou o número de indicações ao grammy. esse sam smith não interessa aqui; este comentário é sobre um personagem dolorosamente vulnerável, protagonista de um incomum debut album que é a imagem do que eu chamo de amor.

lonely hour numa palavra é vulnerabilidade. sam canta a fraqueza do homem pro amor, e veste a carapuça. esse mesmo personagem se despe de qualquer pudor e assume que quer seu amado de volta, pede que largue seu amante e fique com ele e que deite ao seu lado, porque ele é o seu suporte de vida. ele ama e não hesita em deixar essa ferida aberta.

as catorze faixas da versão deluxe do disco se encaixam como um livro de contos que se interdependem. em money on my mind ele fala de um amor diferente, do seu pela música. é o prólogo em que ele justifica as histórias que vai contar. e já declara “i don’t have money on my mind, money on my mind, i do it for, i do it for the love” em ritmos mais agitados, que não são tão característicos ao álbum. os violinos de good thing trocam as batidas da primeira faixa pela calmaria numa balada que é quase só voz.

não, stay with me não é o melhor r’n’b de que dispõe sam smith. o disco é uma mina de canções que extrapolam a sensualidade do r’n’b e os vocais (insira aqui um adjetivo demasiado grandioso) do moço, e stay with me só compõe a turma. mas é nela que sam começa a rasgar as feridas, em que ele canta: “why am i so emotional? no, it’s not a good look, need some self control”. a melancolia na voz do rapaz é evidente, e mais do que essencial, e a faixa não poderia ser cantada de outra forma.

leave your lover é a redenção de um personagem que de tão apaixonado perde a noção de que a vida não é como num final feliz de um filme hollywoodiano. sam pede para que ele largue seu amante para ficar ao seu lado. digo, com certa desconfiança, que ele quase se vende por amor. até aqui, é a faixa mais intimista em que o clamor do personagem é cantado apenas com acompanhamento de violão, um piano e violinos melancólicos. um dos primores do álbum.

n'outro extremo, sam é protagonista de um relacionamento às ruínas, mas sofre calado, no delicioso r’n’b de i’m not the only one. a faixa seguinte é como um seguimento à sua anterior: na história de i’ve told you now, o casal parece ter se reconciliado, mas ele ainda é uma dúvida para sam, e a verdade é dita. like i can e life support são um paradoxo: na primeira ele impõe a força de seu amor, mas na segunda é a insegurança em pessoa.

not in that way me dói. na canção, a voz limpa do moço é acompanhada somente pelas cordas secas de um violão, para reforçar todo o clima de uma tristeza que rasga o coração em pedacinhos. é tudo sobre um sam que se odeia por amar alguém que ele sabe que jamais o quereria. ele assume “i'd never ask you ‘cause deep down i'm certain i know what you'd say, you'd say i'm sorry believe me, i love you but not in that way”. lay me down é uma primorosa mistura de r’n’b, soul e pitadas de jazz, e começa com os vocais de sam quase em sussurros – acompanhados de um piano esporádico – até ir atingindo uma profusão de notas e instrumentos mais altos. a canção é a antítese do disco; pudor e entrega total, força e fragilidade.

restart é a reconciliação de sam com seu coração partido por alguém que o fazia de bobo. a canção quebra a melancolia das histórias anteriores e traz um pop que se encaixa com a letra. sam declara que são tempos de recomeço, de alegria. o piano constante e os violinos esporádicos de latch traduzem o regozijo da entrega. la la la destoa de tudo o que o disco mostrou até aqui, e make it to me é o ápice da capacidade vocal do rapaz. a melhor faixa do lonely hour. sam conta com o apoio de um coral para gritar no refrão “you’re the one designed for me, a distant stranger that i will complete”. ele resume todo o disco em pouco menos de três minutos para reforçar que amar é como contar seus segredos pro mundo todo, contra a própria vontade.

sam smith não parece querer concorrer na indústria do pop com seu in the lonely hour, talvez porque ele se despe e entrega toda sua sinceridade em pouco mais de quarenta e cinco minutos. difícil dizer que rumos podem tomar esse personagem, já que o risco de ser modelado por essa indústria de música pop é iminente. pouquíssimos escapam dela.  

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 in the lonely hour
sam smith
capitol records
vinte e seis de maio de dois mil e catorze
pop, soul e r’n’b
 (já que os momentos de solidão são, talvez, os mais sinceros)

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